domingo, 22 de janeiro de 2012

Álcool: uma reflexão sobre o papel que queremos que ele tenha em nossa vida

Em tristes tempos de Big Brother Brasil nos deparamos com mais uma polêmica baixo nível levantada pelo programa mas que levanta uma questão a ser discutida no país: o abuso do álcool para melhorar (ou apimentar) as relações interpessoais.

Devo dizer que ser bombardeada por essas questões durante 1 semana aguçou a minha curiosidade médica me fazendo dar uma olhada nos dados atuais acerca do uso do álcool no Brasil e no mundo.

O álcool é uma droga psicotrópica (porque age no sistema nervoso central produzindo alterações de comportamento, humor e cognição) que tem seu consumo permitido e até incentivado pela sociedade. Normalmente essa ingestão é valorizada para facilitar as relações entre pessoas e o abstinente pode ser socialmente constrangido.

Por tratar-se de uma droga com efeito tóxico, devemos estar atentos à dose que nosso corpo consegue metabolizar sem trazer efeitos deletérios.

Essa dose varia conforme características pessoais de sexo, peso corporal etc. No geral, para os homens, esse limite é de dois copos de vinho (90 mL cada um) ou uma latinha de cerveja ou uma dose de 50mL de destilados. Para as mulheres o limite é ainda menor.

Quem bebe mais do que isso faz o que chamamos de uso nocivo do álcool e pode desenvolver dependência. Veja que não é tão difícil assim fazermos uso nocivo do álcool!

Todos sabemos que não é de hoje que o beber é um ato social. Os estudos naturalmente reconhecem isso e mostram que esse estímulo atinge ferozmente as classes jovens.


O uso nocivo implica em uma série de problemas à saúde do indivíduo e da sociedade, sendo responsável por agressões sexuais, atos de vandalismo e brigas, acidentes e mortes no trânsito, baixo desempenho intelectual e sexual, entre outros. É comum vermos esse padrão de ingesta alcoólica em jovens (e em festas do Big Brother).


Cada sociedade tem um padrão estabelecido sobre os momentos de beber. A OMS (Organização Mundial de Saúde), em um reporte global sobre álcool e saúde publicado em 2011, mostra que os países que têm maior consumo de álcool per capita são a Rússia e alguns países da Europa do norte e central.

Consumo per capita de álcool em adultos (acima de 15 anos), em litros de álcool puro, 2005
Fonte: WHO - Global status report on alcohol and health, 2011

No entanto, essa publicação mostra que, para se avaliar o impacto do consumo de álcool em um país, é mais importante analisarmos como o álcool é consumido e não só quanto é consumido. Para isso, são levados em consideração os seguintes padrões de consumo:

· a quantidade usual consumida por ocasião;

· o beber em momentos festivos;

· em quantos eventos com bebidas o bebedor fica bêbado;

· quantos são os bebedores que bebem todos os dias ou quase todos os dias;

· beber para acompanhar refeições;

· beber em espaços públicos.
Escala de padrão de consumo, 2005
Fonte: WHO - Global status report on alcohol and health, 2011
Quando esses critérios entram no cálculo para a análise, vejam que interessante: os poucos países que apresentam o menor padrão de risco (em verde, no mapa acima) são justamente alguns países da Europa que apresentam maior consumo per capita de álcool. Já o Brasil, nesse aspecto, apresenta um padrão de consumo mais arriscado.

Ao analisarmos o padrão de consumo de álcool no Brasil, vemos que a classe jovem é pouco abstinente, apresentando um padrão de bebedor ocasional que migra para o de bebedor semanal em poucos anos.
Fonte: I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira, 2007

Apesar de encontrarmos estudos mostrando isso, não precisamos deles para saber que os jovens são estimulados a beber semanalmente para socialização em festas, com descontrole de quantidade, o que geram os famosos porres e as frequentes consequências do uso nocivo que enriquecem as páginas policiais dos jornais todos os dias. Isso é chamado mundialmente de Binge Drinking, ou uso pesado episódico do álcool.

A boa notícia é que a maior parte dos jovens, ao evoluir na vida adulta, vai mudando seu padrão de ingesta alcoólica, pois vai amadurecendo, adquirindo mais segurança para as relações interpessoais, e até para evitar os chatos efeitos imediatos do uso nocivo, como a ressaca, a falta de controle sobre o comportamento e as situações embaraçosas.

Vemos nesse gráfico acima que, com o aumento da idade, a quantidade de abstêmios aumenta em detrimento da quantidade de bebedores ocasionais e frequentes. Mas o que me chamou a atenção é que, além dos abstêmios, a outra classe que aumenta com o passar da idade é a dos bebedores muito frequentes, ou seja, aqueles que bebem todos os dias.

Quando pensamos em bebedores diários, pensamos logo no pobre bêbado de sarjeta, que atingira um nível de alcoolismo a ponto de seu comportamento não se encaixar mais na sociedade. No entanto, para a nossa surpresa, nessa classe dos bebedores diários se acumulam mais pessoas das classes sociais A e B. E não há muitos estudos falando deles.

Essas são aquelas pessoas do nosso convívio social que passaram a criar o hábito de beber todos os dias ou quase todos os dias, primeiro em eventos, depois por prazer, que dificilmente se limitam a tomar 2 cálices de vinho ou uma latinha de cerveja ao dia e que, por isso, vão silenciosamente desenvolvendo tolerância e dependência.

A tolerância está instalada quando é preciso uma dose maior de álcool para causar um mesmo efeito (quando ele demora mais pra ficar bêbado, digamos assim).

Já a dependência acontece quando a pessoa começa a sentir falta da bebida, quando está sem tomá-la há alguns dias. É dependente quem bebe todo dia.
É comum esse bebedor, que não se julga um alcoólatra, negar sua condição de risco. É comum também encontrar desculpas para justificar cada dose. Pode ser comemorar a chegada de alguém querido, relaxar após um dia estressante de trabalho, controlar a ansiedade, e por aí vai. O homem em geral, quando encontra-se em uma situação estressante, procura primeiro o prazer como forma de alívio ao invés de procurar a tranquilidade. É o caminho mais fácil. E o álcool é uma forma de proporcionar isso.

Outra justificativa vem de ele achar que sua forma de consumo é "mais saudável" pois normalmente bebe em casa, não toma porres no final de semana assim como os universitários costumam fazer. É certo que são padrões diferentes de consumo, com riscos a curto prazo também diferentes, mas o prejuízo é certo - e nada saudável.

Para derrubar esse mito, vamos explicar: o álcool é metabolizado pelo fígado, que tem capacidade limitada. O uso constante do álcool pode ser sim muito prejudicial pois nem sempre o fígado dará conta de eliminá-lo por completo sem ser lesado (lembre-se ele precisa de tempo para se regenerar, coisa que o bebedor diário não o proporciona). A substância intermediária formada durante o metabolismo do álcool é o acetaldeído, que é muito mais tóxica para o fígado e para o organismo do que o próprio álcool. Só para te facilitar o cálculo, um cálice de vinho (90ml) precisa de 1 hora para ser metabolizado.

Enquanto o bêbado da sarjeta é facilmente reconhecido, esse outro bebedor frequente passa despercebido pela sociedade. Mas ele merece atenção não só pelos problemas de saúde que ele certamente irá desenvolver (podendo ser hipertensão, cirrose, câncer, problemas cardiovasculares, neuropatias, entre outros) e onerar nosso sistema de saúde, mas também pelos infortúnios que pode trazer à quem convive.

Vale lembrar também que alguns bêbados de sarjeta já foram um dia bebedores diários das classes A e B, executivos de empresas, que conseguiram fazer com que a família desistisse do convívio.

Como reconhecer um bebedor muito frequente e diferenciá-lo de um bebedor ocasional?

Um bebedor ocasional sabe limitar as situações em que bebe. Bebe num jantar, mas passa vários outros sem precisar da bebida. Sabe se divertir em situações de abstinência.

O bebedor muito frequente já começa a restringir seu prazer ao beber. Essa pessoa vai tornando-se menos interessante aos que convivem com ela. Começa a pensar em beber nas mais variadas ocasiões. Não consegue imaginar um momento de divertimento sem que o álcool esteja presente. Por esse motivo, tem a vida empobrecida e menos atraente.

O álcool despercebidamente prejudica a memória, o raciocínio, o sono e o humor. Diminui a libido, prejudicando a vida sexual. A pessoa vai se transformando em outra e, apesar dos sinais dos familiares, não se dá conta. Os acusa de implicância.

É como se o álcool tivesse finalmente a dominado, feito dela um fantoche.


Observe: vemos por aí diversos padrões de bebedores, cada um com suas implicações. Todos vão apresentar problemas de saúde e problemas sociais se não restringirem seu consumo à um padrão fisiologicamente e socialmente adequado. Mas os bebedores diários silenciosos são uma parcela de nosso país que não é tocada e que precisa ser mais consciente.

Quantos homens e mulheres não se casaram com esses fantoches disfarçados? Quantas famílias não se destruíram por isso?

Não sou a favor da caretice total e eu bebo sim em diversas ocasiões. Mas sou a favor de controlarmos o álcool e não sermos controlados por ele. Sou a favor de não precisarmos dele para nos sentir bem.

Divirta-se como quiser. Só não deixe ninguém triste.